quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Rancor.

Ando muito triste e preciso ir ao McDonald's. Sim, eu supro minha solidão, meu complexo de inferioridade e abandono com comidas calóricas. Sempre fico muito feliz depois de arrotar o último gole de Coca-cola e sentir o meu estômago vazio, mas cheio. Mas não gosto de ir sozinho. Por isso, eu e Sharlotte fomos ao McDonald's ontem à tarde, consegui convencê-la. Tudo estava ótimo até chegarmos lá e nos depararmos com um ex-colega de classe, um dos atendentes do caixa. Não consegui entrar direto na lanchonete. Parei na porta. Ele nem tinha nos visto. ME visto. Edicley era um dos garotos que "tacavam bolinha" em mim na escola. Era o que mais gostava de me humilhar. Sharlotte olhou pra mim, preocupada. "Se quiser, podemos ir ao Burger King." "Não. Eu quero comer um Quarterão com Queijo e não é esse escroto que vai acabar com a minha vontade. Vamo. E eu quero ser atendido por ele." "Mas, Fernando..." "Sharlotte. Eu quero ser atendido por ele, qual o problema?" "Pra que fazer isso?" "Isso, o quê?" "Para de ser rancoroso." "Eu não sou rancoroso, só quero que todas as pessoas que me humilharam se fodam ao extremo." Entramos na fila. Percebi que Sharlotte não parava de me olhar de soslaio. Continuei normal. Estava chegando a nossa vez. Um pouco demorado, mas estava chegando a nossa vez. "Só um segundinho que o Edicley já vai atendê-los", avisou uma garota esquisita que ajudava no caixa e na preparação dos pedidos. ... "Boa tarde, qual o seu pedi...do?". Ele percebeu. Enzo, um dos meus Abomináveis chegou repentinamente. "E aí, como é que vocês estão?", cumprimentou ele, dando beijinhos em Sharlotte. "Tudo ótimo. Aceita comer com a gente? Eu pago." Fico tão generoso quando estou triste. "Claro!" "O de sempre?" "O de sempre." Virei para Edicley, que estava meio tenso, os olhos baixos, fitados no computador. "Então. É... Edicley. Ahn... Quero um Big Mac, sem cebola, sem picles, com o dobro de queijo, batata grande, Coca-cola... não? Sprite? Sprite grande. Um Quarterão com Queijo completo, batata grande, Coca-cola grande e um potinho de molho barbacue. E mais um Quarterão com Queijo completo, sem o pão, com batata grande, Coca-cola grande e um pot/" "Sem pão?" "Oi?" "Sem pão?" "É. Sem pão. Um dos Quarterão com Queijo sem o pão." "SEM o pão?" "É. Pão. Aquela massa feita de farinha de vários cereais, com água e fermento e depois assada no forno, fatiada e que é a base de todos os sanduíches de vocês e de qualquer outro tipo de sanduíche. Então. Eu quero um dos Quarterão com Queijo sem essa base universal dos sanduíches." "Só com o hambúrguer." "É." "E com o queijo e o molho especial. "É. Só com o hambúrguer, com o queijo e com o molho especial. Sem o pão. Entendeu?" "Entendi." "Que bom. Confirme tudo o que eu disse." "Um Big Mac sem cebola, com o dobro de queijo, batata grande, Coca-cola/" "Não, querido. Sem cebola E sem picles. E o refrigerante é Sprite. Você quer Sprite, não quer Sharlotte?" "É, Sprite. Grande." "Então. Um Big Mac sem cebola E sem picles, com o dobro de queijo, batata grande e uma Sprite grande." "OK." "Repita pra ver se marcou certo." "Um Big Mac sem cebola e sem picles, com o dobro de queijo, batata grande e uma Sprite grande." "Isso. Perfeito. E o resto?" "Dois Quarterão com Queijo, sendo um, completo, com batata e Coca-cola grandes, e um potinho de molho barbacue; o outro, completo, mas sem o pão, com batata e Coca-cola grandes, também." "E com um potinho de molho barbacue também." "... potinho de molho barbacue..." "Peraí..." "Que foi, Enzo?" "Não sei se quero Coca grande... Tem Fanta?" "Tem." "Fanta Uva?" "Não." "Não tem Fanta Uva?" "Não." "E se o cliente quiser Fanta Uva?" "..." "Tem Fanta Mundi?" "Também não." "Ê, Terceiro Mundo... Tá, pode ser Fanta Laranja. Do que adianta eles criarem uma porrada de sabores de Fanta se todo mundo só tem a primeira? O McDonald's, meu! O McDonald's! Só UM sabor de Fanta! Não, peraí... Não quero, não. Pode ser Coca-cola, mesmo." "Fanta ou Coca-cola?" "Coca-cola." "Grande?" "Grande." "Me repete o pedido de novo, Edicley." "Um Big Mac sem cebola e sem picles, com o dobro de queijo, batata e Sprite grandes; dois Quarterão com Queijo, sendo um, completo, com batata grande, Coca grande e um potinho de molho barbacue; e o outro, o mesmo, só que sem pão, só o hambúrguer com o queijo e o molho especial." "Isso. Quanto deu?" "R$ 47, 50." "Débito." "(...) Pode passar o cartão." ... ... ... "Aqui o seu cupom." "Tem certeza de que vai vir tudo certo?" "Como?" "Os pedidos. Todos vão vir certo?" "Sim, sim." "Como você sabe?" "Porque o pessoal que faz os lanches recebe certinho o que o cliente quer e o que não quer." "Mas eu não confio no pessoal que faz os lanches." "Então eu não sei." "Querida... Moça... Mocinha..." "Oi, senhor, tudo bem? Algum problema?" "Não, não, nenhum. É... Eu queria saber de uma coisa." "Pode falar." "O meu pedido foi um pouco grande e cheio de 'coisinhas'..." "Coisinhas?" "É, coisinhas. 'Tira isso, põe aquilo, blablablá'. Coisinhas." "Ah, tá." "Então. E eu tô com medo de que venha errado. E uma coisa que eu odeio é pedido de lanchonete que vem errado, entendeu? Mas, tipo, eu odeio muito. Já passei por maus bocados por lanches que vieram errados, com um picles a mais ou sem picles... tá me entendendo?" "Sim, sim, claro." "E eu gostaria que o... Edicley?" "Edicley, Edicley." "... Edicley fizesse os lanches. Acho que ele memorizou todos os pedidos certinhos. Tenho certeza de que não virão errados." "Sim, claro, ele pode fazer os lanches, sim." "Que ótimo. Muito obrigado MESMO. Afinal, tem um monte de gente aqui pra atender, né? Essa menina linda... Margarida. Ela pode atender no lugar do Edicley, não pode?" "Claro. Margarida, fique no caixa e Edicley pra cozinha, os pedidos." "Muito obrigado." "Imagina. Estamos aqui para servi-los." "Que bom." Vamos nos sentar em uma mesa no interior da lanchonete. "Você é o cliente mais chato de todos os tempos", disse Sharlotte. "'E o Prêmio Filho-da-Puta do Ano vai para...'", brincou Enzo. Eu sorri. E os pedidos não demoraram a vir. Tudo estava delicioso e CORRETO. Até agora. "Agora vamos para o gran finale", eu avisei. "O que você vai fazer?", perguntou Sharlotte, receosa. Mordi um pedaço do meu Quarterão. "Eu não acredito. O meu Quarterão está frio, sem picles e com um CATARRO ENORME dentro!", respondi a eles, cínico ao extremo e com um sorrisinho sarcástico. "Você não vai fazer isso...", disse Enzo, incrédulo. "Vou." "Ai, Fernando, que nojo..." Me abaixei um pouco na mesa, a cabeça sob o tampo de acrílico, o sanduíche aberto. Comecei a puxar ranho - aproveitando minha gripe de verão - e a escarrar sobre o hambúrguer. Em poucos segundos, uma bela mucosa amarelo-esverdeada estava fazendo companhia ao pedaço de boi triturado. Retornei a fatia de pão ao seu devido lugar. "Com licença, meus amigos, mas sou obrigado a reclamar do PÉSSIMO atendimento do querido Edicley, que inclusive colocou CATARRO no meu sanduíche FRIO. Péssimo, catarro e frio. Essas palavras nunca devem estar juntas." Me levantei e fui ao caixa, a cara fechada, emburrado, bravo, puto da vida. "Quem é a gerente aqui?" Edicley arregalou o olhos. "Oi, senhor, tudo bem?" "Não, não, não está bem." "Algum problema?" "Algum problema? Sabe qual é o problema? O problema é que este sanduíche está com gosto de boceta!" - sempre quis dizer isso! (vide "Vergonha dos Pés"). "Como?" "Tá com gosto de boceta esse sanduíche! E não bastasse isso, está extremamente frio e tem um CATARRÃO aí dentro! UM CATARRO! Esse moleque aí escarrou no meu sanduíche! Cusparou catarro!" Edicley foi mandado embora. E eu voltei a ficar feliz, ganhei outro Quarterão com Queijo maravilhoso, e tenho uma fábrica de ideias chamada casadeGiz.

2 comentários:

  1. 1. ele está escrevendo.
    2. ele está escrevendo bem!
    3. ele está escrevendo bastante.
    4. eu estou nos escritos! quarteirão sem pão, potinho molho barbacue.. deus, "totalmente demais!" Maurício Manieri.

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